Thursday, August 24, 2006

Interpelações:

-Ta vendo ali ?
Tava indo visitar o irmão em Goiás. Pra avião, só tinha dinheiro para a volta. O que mais entediava era Minas Gerais, estado onde se passa mais da metade da viagem. É tanta cidade e cidadezinha, que já em Juiz de Fora, Rafael desistiu de olhar pela janela, e resolveu tentar dormir. A situação ajudava. O ônibus deslizava tranqüilo pelo trecho privatizado da Br 040.
Enquanto tentava dormir, o cidadão ao lado olhou curioso pela janela, depois pra frente, depois pra janela de novo, e depois pra cara do Rafael, depois pra janela e pra cara do Rafael, e depois pra frente, e viu um pátio cheio de carros e um enorme galpão. O Rafael estava quase dormindo, e o pátio se aproximava. Quando o ônibus ficou paralelo ao pátio, o curioso não resistiu: olhou pela janela, pra frente, e pra cara do Rafael, que já dormia. Pela janela de novo, e cutucou:
-Ta vendo ali? Fábrica da Mercedez. Emprega mais de 5 mil pessoas!
O Rafael, que é um sujeito educado, olhou pra cara do curioso, pra janela, pra frente, e pra janela, e pra cara do curioso de novo, e lembrou de fazer um leve aceno de concordância antes de voltar a dormir.
-Bambambam
Dessa vez fui eu, num coletivo. Um senhor sentou do meu lado, e me julgando um sujeito instruído, resolveu dirimir uma dúvida: ouvira que um tal de “bambambam” iria soltar os passarinhos das pessoas. Ele, que possuía alguns, estava seriamente preocupado. Eu, como um bom sujeito instruído, não ia perder tempo em explicar que o bambambam se chamava Instituto Brasileiro de Meio Ambiente. IBAMA. Muito menos fazer um discurso sobre o absurdo que é engaiolar animais. Tratei de conversar sobre passarinho.
-Pintor.

Esse eu não posso identificar, mas se algum dia ler esses relatos, vai lembrar de que demos boas gargalhadas com essa história. Gargalhadas que não garanto agora, porque a graça maior estava certamente na cara de constrangimento do narrador personagem.

Vinha ele de um estado longínquo em direção à Guanabara, via Br 101. No meio do caminho, alguma coisa que comera começou a fazer efeito em seu intestino. Como é praxe nessas ocasiões, o tempo não colaborou. Não deu pra esperar a próxima parada.Correu pro banheiro, mas também ali as coisas se precipitaram.

Humildemente, nosso cidadão se dirigiu ao motorista e solicitou uma parada, no que foi prontamente atendido. Conhecendo a boa vontade da maioria dos motoristas, e a rigidez das regras das paradas em estradas, creio que não foi altruísmo o que motivou o distinto profissional a tal atitude. Suspeito que a “coisa” já chegara à cabine de comando.

Pois bem, o rapaz desceu, e se resolveu como pode. Ao voltar para o seu lugar, ouviu um comentário de duas senhoras que estavam próximas:
-O motorista disse que o rapaz aí do lado é pintor.
-Por quê ?
-Fez obra até nas paredes.

Meu amigo melhorou substancialmente depois da parada, mas por causa de tal diálogo, continuou encolhido na poltrona até a rodoviária Novo Rio.

2 Comments:

Blogger Carla Marques said...

Literatura, meu filho:

Não consigo pensar em outra coisa senão no caos do meu previous posts.
...
Acho que assim só terei "cabeça" para ler "Literatura, meu filho", quando você me ajudar a descobrir como boto ordem naquela bagunça!

Hahaha.

Beijo, Carla (chantageadora virtual)

7:01 PM  
Anonymous Anonymous said...

Fico imaginando quem seria o personagem que recebeu o epiteto de pintor. Ri muito muito com estas interpelações.
Mãe

9:26 AM  

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