Sunday, December 02, 2007

À Máquina

Quando eu era menino, meu pai costumava pedir para que eu apagasse alguma luz que havia deixado acesa bradando que não era sócio da Light. Isso numa época em que eu mal sabia o que era ser sócio, e muito menos o que significava Light. Com o tempo, soube de outros amigos, que a bronca também se repetia da mesma maneira na casa deles. Hoje, que bem sei o que é ser sócio, e tenho uma baita conta da Light para pagar todo mês, fico me perguntando como deve ter sido a infância do filho do sócio da Light. Imagino um palacete iluminado, com imensas janelas de vidro, ostentando luz em meio às casas de um bairro alto, talvez o Valparaíso. Toda vez que o filho apagasse alguma luz acesa na casa, o pai lhe diria carinhosamente: “Precisa, não filho, papai é sócio da Light.”

Mas o menino também tinha lá suas angústias. Muitos de seus amigos gostavam de dormir na sua casa, mas ele duvidava da honestidade da amizade deles. Podiam ser interesseiros. Não pelo seu dinheiro. No seu ciclo de amizade, havia filhos de sócios de empreiteiras, multinacionais e até bancos. Mas o filho do sócio da Light, às vezes, tinha a impressão de que os amigos só queriam ir à sua casa porque, como quase todos os meninos da sua idade, tinham medo do escuro. Mas ele não, ele tinha medo é de claridade. No auge do verão, quando ia para a piscina do Petropolitano, tão logo o sol de meio-dia começava a devorar as sombras, ele telefonava pra casa: “Genalva, vem me buscar que eu estou odiando.” A Babá, muitas vezes, cogitava a idéia de que ele era um menino problemático, triste. Mas ele se refugiava nas sombras de uma mangueira e brincava a tarde toda.

Hoje, acabou a luz na empresa. Esperamos por quase três horas para que ela retornasse, e nada. Quando o trabalho começou se acumular sobre as mesas, um dos sócios teve uma idéia brilhante: foi até um armário nos fundos da garagem, e retirou de lá quatro Remingtons empoeiradas, mas funcionando perfeitamente. Ele sorriu triunfante. A idéia de guardar as máquinas, há mais de quinze anos, não fora coisa de velho, como disseram à época. Feliz como um menino que ganha um brinquedo novo, eu comecei a traduzir um documento para o consulado. O tec-tec que meus dedos produziam me fez sentir uma imensa saudade do meu pai.