Esta é uma carta de suicídio
Uma carta de suicídio de quem não agüenta mais ver as prateleiras de livros de auto-ajuda e dos antidepressivos vazias.
De quem não suporta mais ver os amigos trocarem os anos de rebeldia e doação pela impaciente adesão ao mundo que existe.
Uma carta de suicídio de quem não suporta mais ver o mundo que existe.
De quem não suporta mais saber que para o mundo existir, torna-se necessário sacar a existência do menino que dorme ao meio-dia, na calçada cheia de gente. (Se não lhe saco a existência, não parto a caminho de lugar nenhum).
Mas para onde parto, já que adio meu existir num ato egoísta?
Não o adio por ninguém, senão por mim mesmo, e se o adio por mim mesmo, estou fugindo.
Se não sei para onde parto, como saberia para onde fujo?
Estanco minha fuga na consciência de que sei que há o menino que dorme ao sol de meio-dia, na calçada cheia de gente. E antes de qualquer compaixão, há a consciência, que me leva a compará-lo a um cachorro.
É como um cachorro, não mais um menino de rua. Ele não busca abrigo na marquise durante a noite, ou na chuva. Ele se estira exausto, ao sol do meio-dia, à passagem de todos. E fui eu quem lhe sugou a existência.
Da consciência, e não da compaixão, vem a culpa.
Mas a culpa a gente abana, como um cachorro sacode suas pulgas.
Sinto culpa também por ter medo, me odeio por ter medo. Tenho vontade de não ter nada, para não ter medo. Mas é preciso, antes, ter coragem para não ter nada.
Mas sinto que estou me perdendo. Voltando ao assunto, esta é uma carta de suicídio.
Não vou me matar, é claro, por causa do menino. Não o menino estirado no chão, ao sol de meio-dia. Talvez pelo medo que tenho de outro, o de olhos castanhos enormes, que me olha e pergunta:
- Você não queria ser cantor?
- Não, eu nunca quis ser cantor. Queria, isso sim, cantar bem.
- Mas esse é o verdadeiro desejo de ser cantor. Agora, veja você, quer ser jornalista, quer ser escritor. Não quer escrever bem. Entende a diferença?
Entendo e não entendo. O menino dos grandes olho castanhos é enigmático. Mas ele vê o menino estirado no chão ao sol de meio-dia.
Estou mais uma vez fugindo do assunto. Isto é uma carta de suicídio. E digo mais, é uma carta e um apelo. Que hoje, comigo, você que me lê também se suicide, porque não há motivo maior para isso do que os motivos que citei acima. E a eles poderia acrescentar muitos outros, mas todos convergem para as prateleiras de auto-ajuda e as dos antidepressivos cheias.
E se você concordar comigo que realmente há motivos para se matar por isso, vai concordar também que a vida sem as prateleiras de auto-ajuda e de antidepressivos vazias é a vida plena que queremos ter. E se assim é, a gente se mata para viver.
(Pausa grande)
Agora que já me matei, vou me redesenhar. Vou marcar pequenos pontos num papel, e em seguida conectá-los com linhas. Do desenho que sair, este sou eu. Se algum de vocês quiser seguir a receita, segue como exemplo, abaixo, alguns dos pontos que escolhi:
- Ter visto no curta da Maria-Flor o cartão postal que dei para ela.
- A morena que sambava na festa da Carol.
- A risada do Clodoaldo.
- A altivez do Rodolfo
- O fato de não ter nada para dizer sobre o Rafael
- O fato de ter pensado em escrever um texto sobre a nobreza de pessoas simples, e ter vontade de citar como exemplo o sambista Monarco, que parece um príncipe. Monarquia já!
- O fato de usar o livro Paz, Amor e SGT. Peppers como mouse pad.
- O fato de ter escrito um texto completamente desconexo, e não saber como terminá-lo, mas saber que não quero, e não vou terminá-lo depois.
De quem não suporta mais ver os amigos trocarem os anos de rebeldia e doação pela impaciente adesão ao mundo que existe.
Uma carta de suicídio de quem não suporta mais ver o mundo que existe.
De quem não suporta mais saber que para o mundo existir, torna-se necessário sacar a existência do menino que dorme ao meio-dia, na calçada cheia de gente. (Se não lhe saco a existência, não parto a caminho de lugar nenhum).
Mas para onde parto, já que adio meu existir num ato egoísta?
Não o adio por ninguém, senão por mim mesmo, e se o adio por mim mesmo, estou fugindo.
Se não sei para onde parto, como saberia para onde fujo?
Estanco minha fuga na consciência de que sei que há o menino que dorme ao sol de meio-dia, na calçada cheia de gente. E antes de qualquer compaixão, há a consciência, que me leva a compará-lo a um cachorro.
É como um cachorro, não mais um menino de rua. Ele não busca abrigo na marquise durante a noite, ou na chuva. Ele se estira exausto, ao sol do meio-dia, à passagem de todos. E fui eu quem lhe sugou a existência.
Da consciência, e não da compaixão, vem a culpa.
Mas a culpa a gente abana, como um cachorro sacode suas pulgas.
Sinto culpa também por ter medo, me odeio por ter medo. Tenho vontade de não ter nada, para não ter medo. Mas é preciso, antes, ter coragem para não ter nada.
Mas sinto que estou me perdendo. Voltando ao assunto, esta é uma carta de suicídio.
Não vou me matar, é claro, por causa do menino. Não o menino estirado no chão, ao sol de meio-dia. Talvez pelo medo que tenho de outro, o de olhos castanhos enormes, que me olha e pergunta:
- Você não queria ser cantor?
- Não, eu nunca quis ser cantor. Queria, isso sim, cantar bem.
- Mas esse é o verdadeiro desejo de ser cantor. Agora, veja você, quer ser jornalista, quer ser escritor. Não quer escrever bem. Entende a diferença?
Entendo e não entendo. O menino dos grandes olho castanhos é enigmático. Mas ele vê o menino estirado no chão ao sol de meio-dia.
Estou mais uma vez fugindo do assunto. Isto é uma carta de suicídio. E digo mais, é uma carta e um apelo. Que hoje, comigo, você que me lê também se suicide, porque não há motivo maior para isso do que os motivos que citei acima. E a eles poderia acrescentar muitos outros, mas todos convergem para as prateleiras de auto-ajuda e as dos antidepressivos cheias.
E se você concordar comigo que realmente há motivos para se matar por isso, vai concordar também que a vida sem as prateleiras de auto-ajuda e de antidepressivos vazias é a vida plena que queremos ter. E se assim é, a gente se mata para viver.
(Pausa grande)
Agora que já me matei, vou me redesenhar. Vou marcar pequenos pontos num papel, e em seguida conectá-los com linhas. Do desenho que sair, este sou eu. Se algum de vocês quiser seguir a receita, segue como exemplo, abaixo, alguns dos pontos que escolhi:
- Ter visto no curta da Maria-Flor o cartão postal que dei para ela.
- A morena que sambava na festa da Carol.
- A risada do Clodoaldo.
- A altivez do Rodolfo
- O fato de não ter nada para dizer sobre o Rafael
- O fato de ter pensado em escrever um texto sobre a nobreza de pessoas simples, e ter vontade de citar como exemplo o sambista Monarco, que parece um príncipe. Monarquia já!
- O fato de usar o livro Paz, Amor e SGT. Peppers como mouse pad.
- O fato de ter escrito um texto completamente desconexo, e não saber como terminá-lo, mas saber que não quero, e não vou terminá-lo depois.
7 Comments:
Olá Pedro!
Coloquei a musiquinha no blog por causa do filme mesmo... muito bom!
E deu trabalho achar essa musiquinha!!! heheh!
Já assinei seu blog via RSS!!
Até o próximo post! ;-)
Ok, sinto-me feliz por ser responsável pela festa onde a morena sambou...
Suicídio de Quinta-feira
Despeço-me
Ando nas ruas e já na próxima esquina
Não sou mais
Fatigado de tanto meter ao peito tantas vidas,
Procuro sobriamente deitá-las fora,
Mas me vêm em forma de desatinada dor.
Um passo e deixo na rua um pouco de mim
Mas à frente o mundo me antecipa e me refaz
E caminho perpassado pelos modos, de outros, incômodos
Exausto de mal-moldurados quadros,
favelas, gravuras, vitrines, caixotes-edifício
Integrantes-fato que participam à orquestra do caos
Que me constrói
Cometo hoje o mesmo gesto
Da outra quinta-feira, última quinta-feira
Quando me suicidei
Mas só mesmo o gesto se repete
Refeito de outro modo pois é outra a mão
A executar e não é o mesmo
Quem o leva a termo
Diante do caixote-edifício em que habito,
Esqueço-me dos demais caixotes-edifício que
A cidade afirma, das mal-molduradas vidas
Incomodamente metidas ao peito e deitadas fora
Sobriamente.
Despeço-me
Não sou mais
Me demito: bom dia!
Pedrinho querido
Os pontos são infinitos e o desenho nunca tem fim.
Meu curta e eu estamos envaidecidos com a presença em seu redesenho.
E você, gostou do "Luvas de pelica"?
Nem tudo que se escreve ou se lê precisa ser comentado. Aliás, muita coisa dita seria facilmente dispensada após um breve segundo de reflexão. Um beijo, pedrito.
Este texto tem a dor a perplexidade..que é de onde nasce uma certa liberdade também...(esta é uma descoberta recente).
Beijos, meu filho
bonito seu texto.
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