Tuesday, February 13, 2007

Contínuo

Acordei barata
Pegou fogo na estante
Contínuo ex-contínuo
Não se usa mais contínuo

Hoje acordei atrasado. As baratas tinham acordado antes de mim. Provavelmente, passaram a noite comendo as sobras do jantar de ontem, migalhas que sobraram na sanduicheira. Fui obrigado a passar um pano úmido nela. Não ligava antes para os restos de pães antigos, mas de dois meses pra cá, as baratas começaram a freqüentar minha cozinha. Por causa delas, chego ainda mais atrasado no escritório. No elevador, pensei em chamar a dedetização. Ponderei que o dinheiro andava curto. Talvez no trabalho soubessem de uma empresa que não fosse tão cara. Mas no fim, achei imprudente contratar uma dedetização barata.

No térreo, me olhei no espelho, ajeitei o cabelo e ri do trocadilho imbecil. Não vou chegar a lugar nenhum desse jeito. Eu que quero ser escritor, mas até agora não passei de um contínuo, palavra que continuo usando a palavra para lembrar de Bicas, e de meu pai. Para mim, eu era vocalista de uma banda, mas agora sou boy num escritório de advocacia. Para Seu José, eu era Cruner, e agora contínuo em Juiz de Fora.

Contínuo também porque estou sempre esperando a hora de falar para algum dos meus patrões: “Eu posso ser um ex-contínuo, mas o senhor é um filho da puta, seu filho da puta.” Oportunidade de chamá-los de filho da puta tenho aos montes durante o dia, mas não sou um ex-contínuo, e não faltaria com respeito a um texto de Nelson Rodrigues.

Leio tudo que meu salário permite. Às vezes até, faço alguma extravagância. Na última delas, depois de colocar na sacola três livros, continuei a saga consumista no Mundo Verde: comprei um desses potes de porcelana nos quais se coloca uma vela na parte inferior, e essências aromáticas em cima. Já não agüentava mais os incensos dos hippies do calçadão da Halfeld, e como tinha acabado de ganhar o salário, achei que não ficava mal fazer essa melhoria estrutural no meu quarto.

Naquele dia, dormi lendo o Evangelho Segundo Jesus Cristo, de Saramago. Acordei com um clarão. Pensei que fosse Deus, mas era minha estante de livros pegando fogo. Tinha esquecido a vela acesa. Dos livros, que eram poucos, sobrou apenas o Evangelho, que dormia sobre a minha barriga. Não guardei remorso. Expliquei a situação ao Carlos, dono do Quarup, o sebo aqui do Bairro, e de pronto recebi uns quinze livros de presente.

NT: Resolvi hoje que ia começar uma espécie de diário, mas ele também está atrasado. Na verdade, o que relato acima aconteceu ontem. Quando cheguei em casa à noite, tive tempo apenas de fazer os apontamentos que deixei acima).

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Plantita,
Como não sou freqüentadora assídua, a surpresa é ainda maior quando apareço!
"Nomes" é beleza pura!
Prometo voltar em breve.
Beijos,
Nandita

8:56 PM  
Anonymous Anonymous said...

Lo poco que comprendo de tu idioma me basta para saber que tienes belleza en tus palabras , despilfarran sabiduría y dejan ver lo interesante de tus relatos!!!!!!!!!!!!!
besos!!!!!!!!
-MARIA LUJAN-

5:50 PM  

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